Muitos pacientes chegam ao consultório com uma visão simplista, romântica e caricata sobre aquilo que poderia ser uma terapia regressiva. Não é incomum as pessoas criarem uma expectativa muito distorcida, deduzindo que terão acesso às vidas de reis, heróis, rainhas e princesas, passando por experiências edificantes e gloriosas, na esperança de ser revelado que já foram muito mais importantes do que são em contexto atual.
A verdade é que este tipo de expectativa está muito longe daquilo que realmente acontece neste tipo de trabalho. Citarei 7 dos equívocos mais comuns em seguida: 1. A TRM está alinhada com a minha forma de enxergar a vida O primeiro e talvez mais importante engano esteja no fato de as pessoas chegarem ao consultório deduzindo que a TRM se encaixará em sua atual visão de mundo. Embora o alinhamento imediato com a proposta da TRM não seja um evento impossível de acontecer, normalmente é necessário um período de adaptação do paciente para que haja uma profunda introjecção a respeito do que se trata esta abordagem. Isto porque a TRM só fará sentido imediato se o paciente tiver um interesse prévio pelas concepções de vida, de mente e de consciência do antigo oriente, cosmovisão que não possui qualquer relação com o paradigma materialista e com a cultura do mundo moderno. Aquilo que nós normalmente entendemos por mente, consciência, inconsciente, realidade, imaginação, matéria, cérebro, vida e morte choca-se de frente com esta abordagem, sendo completamente inútil se submeter a esta terapia se há uma convicção de que já entendemos tudo isso pelo viés da ciência (que eu considero crucial para a nossa civilização, mas inadequada para explicar aquilo que a realidade é, já que ela foi desenvolvida para entender como o universo se comporta e não a sua natureza intrínseca) ou pelo viés do paradigma materialista (que eu considero infantil, inconsistente, contraditório, claustrofóbico e com baixo poder explicativo). Aliás, é justamente o nosso condicionamento ao sistema de crenças e valores do mundo moderno uma das principais causas das angústias mais prevalentes de nossa sociedade. Um mundo infantil, superficial, materialista e niilista onde não há espaço para nenhum sentido ou significado para além de nossas vidas vazias. A ignorância em relação ao nosso universo subjetivo, por sua vez, chega a ser colossal, não sendo nenhuma surpresa estarmos passando por uma pandemia global de estresse, de ansiedade e de depressão, com taxas de suicídio cada vez mais alarmantes.
Em outras palavras: a maior parte de sua visão de mundo foi adquirida por contágio cultural e foi ela que te trouxe até aqui. Daqui por diante, será preciso alterar radicalmente a sua percepção a respeito da vida e de si próprio para conquistar a tão desejada cura. E isso demanda um certo tempo, sendo impossível de ser alcançado magicamente com uma única regressão. Se o que te trouxe até aqui foi um processo, a saída de seu labirinto psíquico também será um processo, sendo a palavra "paciente" útil também neste contexto de espera.
Referências no mundo ocidental para dar mais consistência ao entendimento da abordagem da TRM são encontradas no trabalho do psiquiatra suíço Carl Jung, na Psicologia Transpessoal e na cosmovisão de Federico Faggin e de Bernardo Kastrup.
2. A TRM serve para qualquer pessoa
Justamente pelo que foi abordado no item anterior, muitas pessoas não estão preparadas para este tipo de terapia. Perfis extremamente céticos, racionais, desconfiados, arrogantes e exclusivamente pautados pelo paradigma cartesiano-newtoniano não se adaptam a este tipo de abordagem, sabotando todo o processo que entrará em conflito com os seus parâmetros de validação. Sendo a arrogância o encarceramento apaixonado de nosso senso de identidade em nosso próprio ego, é incomum uma pessoa com essas características pedir ajuda, sendo mais raro ainda se submeter a uma visão de mundo diferente da sua.
Por último, mas não menos importante, casos com histórico de transtornos psiquiátricos não são recomendados pelo fato de não haver estrutura psíquica para entender em profundidade o processo terapêutico.
Para que haja um diagnóstico adequado, o procedimento padrão envolve uma ampla entrevista, com o intuito de entender o histórico, o estado atual do paciente e se ele possui as condições de se submeter a este tipo de técnica.
3. A TRM é apenas uma terapia regressiva de vidas passadas Embora parte da técnica utilizada seja conhecida por termos variados como terapia regressiva, terapia regressiva de vidas passadas, terapia de regressão ou regressão de memória, toda terapia poderia ser considerada como de natureza regressiva (a revisita de eventos passados para promover a conscientização e a ressignificação). Porém, existe a interpretação popular de todos esses termos no que se refere à possibilidade de acesso às experiências de outras vidas que, obviamente, faz parte da mecânica da TRM. Todavia, abordagens junguianas envolvendo conceitos consagrados como Sincronicidade, Arquétipos, Inconsciente Coletivo, além de técnicas de acesso ao inconsciente como a interpretação dos sonhos e a Imaginação Ativa também fazem parte do escopo deste trabalho, justificando o termo "reintegração de memórias" justamente por abarcar a concepção abrangente de mente transpessoal. E por mente transpessoal nós poderíamos conceber como um gigantesco campo consciencial no substrato da realidade física, onde o núcleo de consciência individual trafega com maiores escalas de liberdade no macroambiente de origem, colaborando para o desenvolvimento do universo com as memórias das experiências vividas após o desencarne. Além disso, é comum haver muitas sessões com conversas para entender onde o paciente está e onde este precisa chegar de acordo com o desenvolvimento do processo terapêutico, havendo muito mais em jogo do que apenas o momento da vivência que poderia ser atribuída a uma vida pregressa. 4. A TRM é uma abordagem espírita A quarta premissa equivocada se refere a TRM ter, de alguma forma, influências do espiritismo clássico de Alan Kardec e tal associação atrair ou afastar as pessoas de acordo com os seus vieses. Em que pese aqui todo o respeito por essa filosofia de vida, a TRM possui suas raízes nas filosofias orientais do Vale do Indo (Bramanismo, Hinduísmo e Budismo) e não no espiritismo. Não há a incorporação de espíritos e nem qualquer outro tipo de abordagem que, diretamente, tenha relação com o kardecismo. Os únicos aspectos em comum com a doutrina são as crenças na vida após a morte (a continuidade da experiência consciencial) e na reencarnação.
5. As vivências são nítidas como um filme Muita gente deduz que as cenas de vidas passadas ou as cenas arquetípicas serão claras como histórias filmadas com tecnologia Ultra HD. Nunca é dessa maneira, uma vez que até as memórias comuns de vida atual perdem muito de sua nitidez original com o passar do tempo. Imaginem cenas traumáticas de outras vidas, de forma que o medo inconsciente ainda tende a evitar o contato. A verdade é que o grau de nitidez das vivências varia bastante, desde as mais nítidas até as mais rarefeitas por uma série de motivos, muitos dos quais não sendo importantes para a eficácia do efeito terapêutico. O importante é prosseguir no fluxo da história de maneira neutra, com o intuito de fazer com que o conteúdo mental escoe sem a interferência do ego (Eu Adaptado).
6. Eu só quero ter experiências prazerosas Este é um dos equívocos que mais exigem esclarecimentos. Em primeiro lugar, o paciente não decide nada. Se o nosso ego (Eu Adaptado), como modelo de identidade pessoal utilizado em nosso cotidiano, fosse capaz de resolver as coisas sozinho, ninguém precisaria fazer terapia. O ego é uma porção muito pequena de nossa totalidade e possui acesso a uma camada muito superficial da consciência, não sendo nessa esfera em que a raízes de nossos problemas se encontram. O ego, no máximo, é capaz de reportar a dor, o incômodo ou o sofrimento que está sendo sentido e, a partir desta queixa inicial, é o inconsciente (Eu Natural) que, de maneira espontânea, deverá ser ouvido, compreendido e integrado ao nível consciente.
Em segundo lugar, aquilo que nós poderíamos considerar por “uma vida boa” não traz cargas emocionais nocivas para a vida atual. Ou seja, desconfortos, angústias e sofrimento de todos os tipos, queixas que normalmente justificam a busca por qualquer tipo de terapia, não são causadas por experiências harmoniosas ou agradáveis. Muito pelo contrário: são as dores, o sofrimento, a violência e os traumas pregressos que constituem os eventos que influenciam negativamente a vida dos indivíduos.
Mesmo em vida atual, são os eventos de natureza negativa aqueles que causam distúrbios psicológicos pelas mesmas razões: a forte carga emocional envolvida na experiência traumática do falecimento de um ente querido, de um casamento marcado por abusos, da violência de um assalto, etc. Portanto, passar por vivências agradáveis ou edificantes, além de configurar uma espécie de fuga da realidade, não traz benefícios terapêuticos para o paciente de uma forma geral. Em outras palavras, não faz sentido passar por experiências boas em um primeiro momento, posto que os transtornos ou as angústias já afloradas na vida do indivíduo precisam ser compreendidas em profundidade para perderem a sua carga. Outro aspecto a ser considerado é que a TRM parte da premissa de que o fenômeno encarnatório objetiva promover experiências e aprendizados. E onde há aprendizado há necessariamente dor, erros e sofrimento (só não erra mais quem já aprendeu). As filosofias orientais encaram tais circunstâncias como processos naturais ao longo da jornada de evolução da consciência. Por essa perspectiva, o mal não é uma força ou um poder exterior propriamente dito e sim uma condição de ignorância de nossa mente, assim como o bem seria uma condição de sabedoria ou de iluminação. O mal pode ser entendido, portanto, como a ignorância absoluta e o bem como a sabedoria absoluta nas extremidades de uma longuíssima linha evolucionária da consciência. Desta maneira, todos nós partimos necessariamente da ignorância absoluta, sendo natural pensar que, na condição de aprendizes, nós erramos muito mais do que acertamos. E isso poderia ser traduzido como um passado muito mais comprometido com circunstâncias desagradáveis do que agradáveis. Outro fator a ser considerado é que o mundo já foi um lugar muito mais hostil e violento do que é hoje. A despeito da quantidade absurda de mazelas, desgraças e sofrimento que assolam a civilização moderna, o mundo antigo foi sempre dominado por desigualdades, injustiças, fome, sexismo, doenças, privações, curta expectativa de vida, abusos, torturas, perseguições, invasões, tiranias, carnificinas e guerras diversas. A escravidão, por exemplo, constitui um desses absurdos que a nossa espécie perpetrou por milhares de anos. A própria Idade Média, como é de conhecimento geral, manchou vergonhosamente a nossa história com fanatismos, perseguições, torturas e mortes horrendas. Portanto, deduzir que voltar ao passado, mesmo que em vidas teoricamente boas, vai trazer apenas experiências agradáveis chega a ser infantil, revelando um grande desconhecimento histórico por parte de muitos que buscam este tipo de terapia. Mesmo que o objetivo da procura por esta abordagem seja o autoconhecimento, esta motivação quase sempre precisa passar por situações muito desagradáveis. Conceitos consagrados como “Inconsciente” e “Sombra”, por exemplo, apontam para a importância de se jogar luz em aspectos reprimidos de nossa personalidade, os quais fazemos questão de esconder ou de evitar o contato, sendo justamente essa falta de contato com a fonte do problema o fator que perpetua o sofrimento de causa desconhecida. E se assim o fazemos, muito provavelmente isso ocorre porque esses aspectos inconscientes constituem características muito incômodas a respeito de nós mesmos que permanecem inacessíveis ao nosso ego.
7. Há riscos de eu não voltar das vivências de vidas passadas Outra distorção de entendimento resultando em uma preocupação desnecessária se refere à crença de que há riscos de o cliente não voltar de uma vivência. E a premissa é errônea porque o paciente não vai para lugar nenhum. São as memórias que chegam, aflorando do universo inconsciente para o funil do estado consciente, como uma ferida inchada e infeccionada que, aos poucos, começa a liberar pus. E pelo fato de o procedimento não envolver a hipnose, condição em que seria possível apagar parte da memória da experiência vivida, o indivíduo permanece o tempo todo presente e atento. Isto porque as vivências ocorrem na esfera individual ou coletiva das memórias, dimensão da mente humana que ocupa apenas uma fração da consciência. Assim sendo, o foco da atenção do indivíduo continua a permanecer no tempo presente, sem qualquer possibilidade de ficar catatônico ou apresentar qualquer outro tipo de reação que o deixe fora de controle durante todo o processo de regressão. Como eu já escrevi na seção A Terapia deste site, muitos pacientes já chegam com sintomas que carregam o seu próprio transe com eles (ou o seu próprio nível de dissociação) e o que a TRM faz é tirá-los deste transe que sempre os acompanhou. Além disso, é preciso reforçar que o passado só existe em nossas memórias e que as máquinas do tempo ainda não foram inventadas pelo ser humano. Portanto, só vivemos efetivamente no momento presente, sendo passado e futuro condições psicológicas completamente fora de nossa volição. Sem comentar que não haveria motivações para o paciente permanecer em uma vida marcada por dores, angústias e sofrimentos, por mais que a vida atual esteja muito ruim. Trata-se mais da liberação de um conteúdo mental que sempre esteve presente na esfera inconsciente do indivíduo como forma de promover a conscientização do problema e assim alterar a sua visão a respeito de si mesmo e do mundo.
Marcio Cruz é terapeuta de regressão de memória formado pelo IMMTER - Instituto Mineiro de Medicina e Terapias e pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUCRS. Saiba mais sobre Marcio Cruz na seção O Terapeuta. Terapia por Reintegração de Memórias - TRM Terapia alternativa na cidade de Jundiaí, SP.
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